sexta-feira, 6 de maio de 2011

Sobre a difícil arte de criticar

Tenho uma lembrança exata desse momento, logo nos meus primeiros dias de faculdade na Alemanha (Checklist do Projeto “Tornar-o-meu-blog-uma-vitrine-para-mostrar-como-sou-foda-inteligente-AND-jet-setter”: menção ao período em que eu morei na Alemanha + menção ao fato de que eu efetivamente estudei em uma universidade européia: DONE). Era aula de “Interação Cultural” com a professora Iken (o arquétipo da intelectual alemã: alta, vestida com roupas e tons sóbrios, cabelo eficientemente cortado em Chanel, morou por 5 anos em uma comunidade tribal no interior da Namíbia), ela sentada no final da sala de aula e uma aluna alemã (Hanna) na frente fazendo uma apresentação em PowerPoint sobre um texto da disciplina. Apresentação ligeiramente chata, depois de 15 minutos de luta contra o meu permanente sono daquela época (o lado nada legal de frio + falta total de luz solar que é o inverno báltico), batidinhas de madeira muito educadas, aluna agradece e senta.

Frau Iken levanta e diz que quer um comentário de estudante estrangeiro sobre a apresentação. Óbvio que ela aponta para o “aluno de cabelo encaracolado, o com cara de espanhol”. Eu obviamente era o único com cabelo encaracolado naquela maldita sala. Sorriso amarelo no rosto (afinal, uma das piores coisas do mundo é obrigar um estudante a criticar a apresentação de um outro estudante – qualquer comentário menos empolgado do que “Foi ótimo, achei muito bom!” ou com mais do que 10 segundos é passaporte sem volta para o clube dos Rejeitados&Odiados. Eu não queria entrar nesse clube. Eu não tinha amigos naquela droga de cidade, e aquele combo de frio e falta de luz estavam me deixando deprimido.), e eu comento “Foi ótimo, achei muito bom!” e olhei para a professora com aquela cara de “Mi English no es muy good!”. A professora ri como quem diz “Eu te entendo...” e diz que quer a opinião de uma estudante alemã. Escolhe Sarah, uma loirinha com suaves olhos azuis e carinha de camponesa inocente das planícies de Jutlândia. Sarah abre a boca e manda:

- O slide 4 estava mal explicado, o slide 5 estava mal estruturado, o slide 7 foi superficial demais e poderia ter sido bem melhor explicado com os textos que foram indicados para a apresentação, o slide 10 e 12 estavam confusos e não muito claros. No geral ela falou baixo e um pouco rápido demais, mas foi bem interessante a apresentação.

Eu ri nervoso de tão chocado que eu fiquei. Olho para frente e vejo Hanna anotando todas as sugestões da Sarah com a cara mais “Sim, muito bom seus comentários, obrigada!” e voltando para sua cadeira com aquela cara de tranqüilidade de quem não precisa fazer mais uma apresentação. Eu olho ao redor procurando alguém para comentar “BAFÃO! Caramba, você viu isso?!”. Todo mundo com a cara mais normal do mundo. Eu olho para a professora, ela ri e fala que esperava exatamente a minha cara de surpresa. E começa a falar sobre a diferença da forma de criticar entre alemães e latinos.

Depois de algum tempo na Alemanha, óbvio que comecei a pegar o ritmo local (mas claro, quando EU fiz a minha apresentação eu comecei com uma mensagem prévia onde disse “Eu sou latino, eu sou sensível, na minha cultura críticas em 90% dos casos são levadas para o pessoal. Por favor, PEGUEM LEVE!” e todos os alemães riram e obedeceram a minha ordem) e comecei a tentar ficar frio quando passava por situações como essas. Óbvio que nunca consegui 100% - se existe uma pessoa que escuta críticas, leva para o lado pessoal e fica mal com isso, essa pessoa sou eu. Mas só consegui efetivamente ficar bem com isso quando eu peguei a lógica dos alemães nesse aspecto: a crítica sincera é a forma mais eficaz de melhorar algo. E de você dizer que uma pessoa tem capacidade para fazer melhor.

No ano passado, no período imediatamente posterior a um comentário meu em um post do blog do Tony Goés (to be found here) que gerou uma pequena celeuma parecida a que ocorreu nos últimos dias, escrevi um post (this one) no qual eu comentei alguns pensamentos meus sobre como é difícil ter um blog e principalmente lidar com o inevitável: as críticas das pessoas que pensam diferente de você. Relendo o post, ainda percebo que sustento integralmente o que eu escrevi naquela época. Abrir um blog a comentários é praticamente instalar um telhado de vidro acima de você com LED's piscando "Atire aqui". Mas sem os comentários, blogar vira uma via de mão única, sem o inestimável benefício de ter a sua opinião contestada e de te dar a possibilidade de pensar sob óticas novas, perspectivas diferentes.

E quando falo comentários, falo de comentários que analisam o que você escreveu. Todo blogueiro adora escutar elogios, todo blogueiro adora receber comentários positivos e, com o tempo, todo blogueiro perigosamente cria uma necessidade dos comentários elogiosos dos leitores mais assíduos do blog - que obviamente são os que mais se identificam e pensam como você. 99% dos leitores que leram seu blog uma vez e não curtiram não vão voltar a ler o seu blog. Dentro desse 1% que leu, não gostou, ficou puto/ofendido com o que você escreveu e se motivou a apertar o botão de comentários, a esmagadora maioria vai assinar como 'Anônimo' e meter o pau com o objetivo de te ofender pessoalmente. Agora, a pequena minoria que não concordou e que vai meter o pau em você com argumentos válidos, contestando com base no que você escreveu... esse é o tipo de comentário que com certeza faz valer a pena ter um blog. Esse comentário é aquele que vai fazer o blogueiro parar por 1 minuto e pensar "Será que eu realmente podia ter pensado de forma diferente?".

Sinceramente, achei o post do Tony sobre a morte do Bin Laden uma análise rasa e superficial. Parei para ler o post depois de um dia de trabalho + faculdade intenso (como infelizmente a maioria dos meus dias são:  sabe como é, infelizmente não dá para fazer uma ponte aérea "Brasil-Europa" sempre que dá vontade - Checklist do Projeto “Tornar-o-meu-blog-uma-vitrine-para-mostrar-como-sou-foda-inteligente-AND-jet-setter”: menção ao fato de que eu viajei para o Exterior nos últimos meses independente do fato de que somente viajei DUAS vezes para o exterior em toda a minha vida: DONE) e discordei de quase tudo do que ele falou ali. Apertei o botão de comentários e escrevi tudo o que eu pensei sobre o que ele tinha escrito - em muitas linhas porque essa a forma que eu escrevo, relacionando com as coisas que eu já li/escutei/estudei porque foram coisas que eu li e eu veio na hora falar - e enviei o comentário. Sob o meu nome, sob o meu avatar porque foi isso realmente o que eu pensei e porque acho incrivelmente bobo e covarde entrar um blog e enviar uma opinião sob a máscara do "Anônimo" e porque sou inteligente o suficiente para saber o Tony saberia que eu escrevi aquele comentário.

Sobre a resposta do Tony (que gerou toda a discussão) em si, acho que vale muito pouco a pena comentar, ele deixou claro os argumentos e prerrogativas dele num post do blog dele que todo mundo leu e ponto final. Sobre o Tony as blogueiro, tirei cinco minutos do meu dia (quando poderia estar levando 'meia hora de rola' - Anônimo, você nem sabe o quanto faria bem pelo menos meia hora... :D) para comentar sobre aquele post porque achei e acho que ele tem capacidade intelectual de sobra, experiência de vida (que infelizmente eu não tenho - concordo plenamente que muita coisa só se aprende com o tempo: mas não tudo) e leitura de boas fontes o suficiente para ter escrito algo melhor e mais fundamentado. Já entrei em milhares de blogs, leio assiduamente os que estão no meu blogroll e comento nos quais acho que vou ter uma opinião diferente ou concordante sobre aspectos que me interessam e onde sei que o autor pode rebater a altura/mesmo nível. That is it. Foi isso que aconteceu naquele post, concordo quando Lucas T. disse que "Pensei que pela sua idade avançada (sorry, não resisti) fosse kind of imune a certos comentários e "retaliações".", acho que os comentários "Incrível seu texto! Muito bom!!!" redundantes e sinais de uma necessidade de atenção e carência desesperada por parte da figura do leitor que eu não consigo entender e ponto final. Continuarei lendo o blog 'Tony Goés', continuarei comentando nos posts em que eu discordar e achar que vale a pena mesmo falar alguma coisa, continuo achando o Tony um cara interessante por toda a experiência de vida (completamente diferente da minha) e (mais uma vez) ponto final.

Sobre os comentários gongativos em relação ao blog (que obviamente vocês sabem que eu li - e o melhor de todos, seguramente, é o do 'O Gato Comeu' e "...tony sinto que no fundo vc tem um coração, o fernando eu já não sei, parece que ele tem uma calculadora de milhas de viagem no peito." - Lieber, Ryanair é uma empresa onde as comissárias de bordo vendem bilhete de loteria durante o vôo e que tem planos de vender passagens onde os passageiros voarão em pé. Você realmente acha que eles tem programa de milhagem? Mesmo?!), claro que eu fiquei (por cinco segundos - tempo que a minha hiperatividade me permite ficar focado em alguma coisa) chateado, claro que eu repensei sobre a utilidade de realmente blogar e colocar a minha cara a tapa na blogsfera. Óbvio que ler "Não gosto do blog do tal Fernando. Posista, pernóstico, deslumbrado. Prolixo ao extremo. Despreza solenemente a inteligência de quem se interessa pelo que ele escreve." me faz pensar se eu levei o meu blog na direção correta, se realmente eu reflito quem eu sou e o que eu realmente penso no Lost und Found in Translation.

Mas e daí que eu sou considerado "prolixo ao extremo"? (Momento "Abrindo meu coração": fiquei durante anos grilado com o fato de eu sempre usar muitas palavras e informações para falar sobre qualquer coisa até o dia que, em um date com um russo, eu comentei que adorava Dostoievski e o FDP respondeu "Dá para ver. Você não pára de falar. Eu odeio Dostoievski.". Sorri amarelo, levei o date até o final da noite, deixei o cara visivelmente puto quando falei que queria ir para casa. E continuei lendo Dostoievski e seus calhamaços cheios de frases intermináveis.) E daí, por ser crítico ao capitalismo, eu sou considerado "comunista de butique"? (uma das minhas melhores amigas - uma das pessoas mais inteligentes e brilhantes que eu conheço, uma das poucas que leu Marx, conseguiu entender 5 linhas do que ele escreveu e que eu consigo sinceramente chamar de "comunista" - riu ALTO com essa. Justamente por saber a profundidade e conhecimento que eu tenho sobre qualquer coisa que Marx já escreveu. :D) E daí que eu sou considerado "esnobe" e eu seria "muito sabe-tudo, é muita finesse adquirida que essa gente (nós míseros leitores) não tem, muito conhecimento pronto e acabado, economia, enologia, linguística, história universal..."? (Bem, os posts sobre a minha crise de Mid-20's ou sobre o meu 'desconforto' por eu, na verdade, eu ser suburbano estão ainda no ar.) E daí que eu "endeusaria a minha experiência de intercâmbio na Europa"? (O primeiro post do blog também ainda está no ar e explica muito do que me motivou a começar isso daqui)

No fundo, é como um grande amigo resumiu hoje em um email para mim. "Mas esse é o preço de se expor na internet. Deixar que alguém que só enxerga uma moldura sua te imagine por completo.". E o que eu posso fazer? Convidar cada um dos anônimos a ler os posts que eu linkei acima e meter o pau em cada um deles - com argumentos, bien sur. E that's all.

E continuemos com a programação de sempre.