terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Lisboa, Portugal: A viagem, a cidade, o desastre #1

Portugal é um país que exerce um tipo de atração inexplicável em mim. Inexplicável porque na eu sempre fui o tipo clássico de paga-pau gringo: quanto mais exótico, melhor. Aprendi alemão durante 7 anos, fiz dois semestres de japones (sendo que tudo o que eu consegui reter até hoje foram duas ou três frases idiotas que servem perfeitamente para o que eu queria: fazer os japas darem pulinhos de "Ooown, ele fala o meu idioma!" e ganhar a amizade deles) e até russo entra nessa lista. Enquanto isso, todas as línguas latinas foram sumariamente ignoradas por serem "muito próximas do português". (Primeiro, vamos combinar que estímulo para estudar espanhol não rola: pagar caro para se enfiar uma vez por semana para ficar numa sala por duas horas aprendendo "Ay Ay Ay / Mi cuerpo / Baila / Caliente!" não é comigo; italiano eu até acho incrivelmente lindo e sofisticado mas... em termos de importância profissional eu tenho impressão que tá ali, ombrinho à ombrinho, com holandês ou sueco; e francês eu sempre achei que não precisaria muito além do que eu já sabia...  Eu sei, destino fazendo um "Há Há Se Fudeu!".)  Por isso, Portugal foi uma surpresa tão inesperada da primeira vez - tinha ganho a passagem de presente de aniversário durante o meu ano na Alemanha, e super me questionava (antes de ir) se não deveria mudar o destino para um lugar mais exótico, tipo Turquia ou Países Bálticos. Que sorte foi não ter mudado, pois foi exatamente o que eu precisava naquela época: um contato com tudo o que eu sentia falta do Brasil (idioma, cultura, o jeito descontraído das pessoas) e o que eu começava a perceber tinha me identificado na Europa (o estilo de vida, o papo das pessoas e o jeito de se vestir mais aberto e moderno). E por isso, dessa vez, quando tive que escolher entre Ibéria (nem que me oferecessem um Piquetón + um nacão de Presunto Pata Negra!: pagar para viajar numa banheira voadora com comissárias espanholas dando fora naquele sotaque irritante, risco real de passar perrengue em Barajas e justamente na rota HookersSource-HookersParadise, digo... Rio de Janeiro-Madrid? Acho que não...), Alitalia (Amo Roma, acho uma das cidades mais fantásticas e incríveis que eu já visitei na vida, ainda tenho listas e mais listas de coisas para ver naquela cidade... mas o fato de que iria passar somente 12 horas na cidade em que faria a escala para Paris + a lembrança da baguncinha gostosa que é Ciampino+Fiumincino deram medinho e preferi play safe...) e TAP, acabei pegando a última. Doze horas em Lisboa para cobrir o que eu não tinha conseguido ver na viagem anterior e me adaptar lentamente à realidade de que eu estaria mudando para a Europa - o que mais eu poderia querer da vida?! :D
O voo foi aquela coisa completamente normal. Sendo bem sincero (vai soar meio "Oh-sou-foda, tenho milhas para ir até Saturno e voltar na Executiva!", não tenho, mas foda-se...), eu compartilho daquela ideia de que depois de algumas viagens você meio que abandona aqueles pensamentos maniqueístas tipo Companhia-A-é-MARAVILHOSA!/Companhia-B-é-uma-MERDA! e que percebe que a Air France não é o supra-sumo da sofisticação francesa, a TAM não é a vergonha cafona-caipira brasileira que todos achamos (apesar de ainda arduamente esperar que eles abandonem aquela ideia cafona de vestimenta caipira em Junho/Julho - gente, hora de superar Marília, néam?!) e que no fundo todo voo depende de uma união de fatores que envolve equipe, passageiros, tempos e posição dos astros no Universo. (Provavelmente a exceção devem ser aquelas companhias absurdettes do Oriente Médio e Sudeste Asiático onde as comissárias de bordo tem cara de colegial japonesa com educação de gueixa/servem cordeiro-assado-com-tâmaras-colhidas-no-Vale-do-Swat-durante-a-única-chuva-do-ano... mas com toda uma reserva gigantesca de petróleo debaixo do seu rabinho para torrar e nenhuma pressão política para racionalizar seus gastos fica fácil meter dinheiro sem fim numa companhia aérea nacional, néam?) A TAP foi bem aceitável: comida normal (ou seja, aquele frango-com-massa ou carne-com-legumes que tem gosto de plástico assado com chuchu e que você decide deixar pela metade mesmo para se empaturrar com o pãozinho invariavelmente frio e o plástico EVA que eles insistem em chamar de "pudim".), nenhum grande sorriso/nenhuma grande grosseria das comissárias, sistema de entretenimento normal (um monte de filme que você acaba não assistindo direito porque fica no eterno dilema "Tento-dormir-ou-chego-monstro-mesmo?") e um monte de brasileiro pirando no casacão Vou-explorar-o-Ártico indo passar as férias de verão no hemisfério norte. 
Ao final das 9 horas que separam o Rio de Lisboa (um tempo de viagem bem ideal, sabia? Acima disso é sempre aquela coisa "O café-da-manhã-é-servido", você está descabelado num nível Medusa-in-a-bad-hair-day por ter conseguido só dormir umas 2 horas, olha pro relógio e vê que ainda faltam 4 longas horas para chegar ao destino final...), o comandante anuncia que estamos chegando perto de Portugal e o pequeno-almoço começa a ser servido. Eu olho pela janela e vejo a escuridão cobrindo alguma parte do Saara Ocidental/Marrocos e finalmente cai a ficha de que eu estou indo para o outro lado do mundo. Uau. Como esse sentimento me assusta e excita. E como eu queria que eu tivesse algum dos meus amigos que tinha deixado no Rio para cutucar naquela hora, acordá-lo e filosofar sobre isso, nem que fosse me esperando no aeroporto em Lisboa. Enfim, viajar sozinho é uma chatice inevitável e continuo olhando a janela. E as luzes de Lisboa começam a aparecer, com o sol começando a nascer no horizonte. Fantástico. O aeroporto de Lisboa fica numa posição que os voos que irão pousar acabam fazendo um city-tour inevitável sobre a cidade, e acabo vendo a Ponte 25 de Abril, as docas de Alcântara, as Setes Colinas de Lisboa. Começo a tentar substituir a tristeza de ir para longe dos meus amigos pela excitação de pisar em um lugar estrangeiro. ;)

(To be continued)

Onde?: 62 Rue des Martyrs, 75009 Paris
Por que?: Porque tem Internet sem limites e grátis, o ambiente é de um café moderno, descontraído, meio escandinavo na decoração mas ultra parisiense na frequência e o barista é um daqueles tipo de bofe escândalo magro, alto, bem vestido e com cara de inteligente-e-esnobe-mas simpático que só Paris sabe produzir ainda tem vista de cara para o Sacré-Coeur de qualquer lugar onde se sente no café. Ah, e os cafés são ótimos.
Preço: Naquela categoria "Tiro o escorpião da carteira porque vale a pena". (Até barato, considerando-se a piração de preço nos cafés de Paris...)

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Só uma pausa

Muito bem produzido, inquestionável. O que são esses homens, mon dieu! (Apesar de quando eu vejo modelos sempre bate um questionamento "Será que ele é um daqueles que fica encolhendo a barriguinha - inexistente - por 30min na frente do espelho?" ou que diz com um ar acusador "Você vai comer mesmo isso? Se mim fosse você, eu não faria isso..." quando você pega um Cornetto Ultra Plus Fat e ele um Molico de Pêssego Xoxo.)

Mas... Made in Brazil? In Brazil? Really? Tem certeza que não é Made in Sweden ou Made in Italy não? Nej?

Ok, super sei que modelos não são representações fiéis da realidade (afinal, 99,999% da população mundial ou tem o look ou tem o brains), mas engraçado que esse vídeo veio de encontro com um pensamento que surgiu ontem quando eu fazia um rápido passeio na Galeries Laffayettes. Passeando pelas elegantes (algumas nem tão caras assim, sabia?!) seções, eu parei na elegante seção da Dior Hommes e vi algo que me fez parar. Um elegante vendedor vestindo um terno absolutamente fantástico para o corpo dele, como todos ali, mas algo me fez parar o olhar naquele vendedor em especial. Sabe quando algo chama a sua atenção? Logo eu entendi: o vendedor era negro. E a pele dele reluzia aquela incrível luz que a pele negra emite quando está bem hidratada. (Tipo P.Diddy, saca?)  E continuando o passeio pela minha loja, mais e mais vendedores negros e mestiços. E eu me peguei pensando porque eu tinha parado meu olhar naquele vendedor em especial. 

Provavelmente por que nós, brasileiros, rejeitamos a associação de negros com sofisticação? Soa um pouco pesado, não? Eu já tinha dado uma divagada sobre o assunto aqui. Enfim...

Rio de Janeiro


Engraçado como a sua perspectiva acaba mudando quando você sabe que são seus últimos momentos em um lugar. Tudo aquilo que era parte de uma irritante rotina acaba tomando uma cara de “Ah, é a última vez que eu...” (sim, eu continuo o mesmo dramático de sempre). Tudo o que faz a vida em uma determinada cidade completamente ordinária depois de um tempo que você mora nela começa a te provocar um sentimento de nostalgia antecipado.

Todo mundo que acompanha o blog há algum tempo meio que sabe: em 2009-10 eu tive o meu ano de intercâmbio na Alemanha. Ah, que incrível ano! Tantas coisas vividas, tantas novas experiências, tantos homem gato que eu pegu... tantos museus incríveis que eu conheci! :D
E que inferno foi voltar ao Brasil. Eu lembro como se fosse exatamente agora: meu voo era Zurique-São Paulo. Eu fui o último a sair do avião da Swiss, com o espírito mais “Neeeeeeeeeeeein, lass mir bleiben!” possível. Disse o meu último “Auf Wiedersehen” para a comissária com o sorriso sou-um­-brasileiro-simpático-e-sorrio-sem-motivos-mas-sei-que-você-acha-meu-sotaque-fofinho e, cabisbaixo, saí do avião. Meras 13 horas antes fazia 2°C em Zurique. Fazia 32°C naquela hora em Guarulhos. Eu olhava para aquela decoração bosta da Infraero e pensava “Não pode ser: eu estou de volta!”. (Parênteses: Por que a fixação do pessoal da Infraero que define os projetos de decoração dos aeroportos com vidro fumê, aço escovado e granito, hein? Caralho, os aeroportos brasileiros tem o mesmo clima amistoso e receptivo de um consultório de dentista da década de 80.) Saí do setor internacional e levei o baque duplo do calor (mesmo com o “ar condicionado” de Guarulhos – sim, eu fui irônico porque acho que o “ar condicionado” de Guarulhos sempre está desligado quando eu estou por lá.) e das pessoas ao meu redor falando português brasileiro. Entrei na fila de embarque da TAM para pegar o meu voo para o Rio, uma criancinha em direção ao Nordeste olhou para o meu bronzeado hamburguês e tocou no meu sobretudo de lã pesada com a cara mais “WTF is that?” possível. Vinha com um sobrepeso absurdo de viagem internacional, mas para o meu choque a funcionária da TAM mandou um “Relaxa, coloca tudo aí, o voo tá vazio...” e eu viajei com mais do que o dobro do limite de bagagem para um voo da Ponte Aérea sem pagar um centavo a mais. Quase dei uma sambadinha para agradecer.

De quando eu vi o Rio pela primeira vez, eu também lembro. Tinha uma argentina sentada do meu lado, indo conhecer a cidade pela primeira vez. Troquei uma ideia com ela sobre os locais que achava que ela deveria conhecer, as dicas para fugir dos golpes cariocas com turistas. E me virei pro lado e vi a Restinga da Marambaia aparecendo pela janela. Liguei o iPod no “Samba do Avião” (ainda não consigo decidir se é um clássico ou uma cafonalha escutar isso quando se volta ao Rio, mas acabo sempre o fazendo), apoiei a cabeça na janela e fui tentando adivinhar quais partes da cidade que eu via. Toda volta de viagem sempre provoca uma nostalgia (na verdade uma PUTA deprê, néam?) mas voltar pro Rio sempre tem algo de especial. É meio que um consolo olhar para Ipanema, para as montanhas, para os prédios históricos do Centro. Meio que um carinho na sua cabeça falando “Darling, tem gente que volta para Detroit! Olha para que lugar incrível você está voltando!”.

Escrevi tudo isso para dizer como é surreal estar deixando o Rio de Janeiro, em definitivo. Os motivos? Sinceramente falando? Estou indo morar com o meu namorado francês em Paris. Simples e direto assim. Para os outros, eu confesso que sempre floreava com um “Mas também estou com um projeto mega definido de fazer mestrado em Estratégias Matemáticas Avançadas!”. Na verdade foi um projeto puramente passional mesmo. Ok, não sai correndo de uma hora pra outra, larguei tudo e gritei para o meu namorado por telefone “Meet you in Paris!”. Planejamos isso por quase 2 anos – dois longos anos em que nos víamos sempre que dava um tempo na agenda. E como bom virginiano, me assegurei de todas as formas possíveis do que poderia dar errado. E claro que coisas que eu esperava que não fossem dar errado deram errado. Mas enfim, assunto para outro post.

O foco aqui é mesmo o Rio de Janeiro. A estranheza que me causa quando eu olho para essa palavra e penso que ela não mais significará “casa” para mim. A ironia de quando eu penso em como eu odiei essa cidade quando voltei da Alemanha em cada uma das suas características – falta de pontualidade, falta de compromisso, falta de organização, calor infernal, provincianismo. E como nesses últimos dias eu sabia que cada uma dessas coisas iria me fazer falta. De como voltar da Alemanha foi essencial para que eu reavaliasse muito do que o Rio de Janeiro era, do muito do que eu tinha do Rio de Janeiro e de que eu finalmente compreendesse que não existem lugares perfeitos no mundo - só alguns que combinam mais com os seus valores e desejos. Como eu fiquei puto em voltar ao Rio de Janeiro daquela vez! E como hoje eu entendo perfeitamente que eu TINHA que passar por esse processo de readaptação que me fez seguramente ficar muito mais forte e maduro. E que me fez me reconectar com uma cidade que eu sabia que não seria a minha cidade para todo o sempre, mas que tinha definido a minha personalidade. Algumas vezes precisamos ir ao outro lado do mundo para entender o que está bem ali, na nossa frente.

Saudades do Rio de Janeiro. Eis a sina de todo carioca que escolhe sair dessa cidade em algum ponto da sua vida. :)

P.S.- Sobre os amigos... melhor nem começar a falar. Principalmente porque eu já passei um RevitaLift no rosto, o avião já começou a descida para Lisboa e as comissárias portuguesas tem cara que tiram o buço na pinça de tão macho que são, portanto nem rola chorar para depois ter que reaplicar o produto. Mas te falo: doí. Pra caralho.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

We will forget


Não sei bem o porquê, mas quando comecei a escrever essa primeira frase dessa postagem, lembrei do Hobsbawm falando  no 'Era dos Extremos' sobre como ele a tinha a exata lembrança de voltar da escola na Berlim dos anos 30 e ler nos jornais que Hitler havia sido nomeado chanceler. Eu lembro exatamente daquela manhã de 11 de Setembro de 2001. Eu estava doente, com uma irritante faringite, o Pedro II estava de greve (para variar) e tinha dormido muito mal. Minha mãe veio me dar remédio e falou com a maior naturalidade "Parece que os Estados Unidos estão sendo atacados.". Eu ri, falei que ela estava delirando e liguei a TV. E ficamos os dois completamente perplexos assistindo àquilo tudo. Horas e horas. Mais tarde acabei melhorando e fui para o meu curso de alemão, lá no Centro. Inútil. O clima no Instituto Cultural Brasil-Alemanha foi o mais soturno possível, a minha professora de alemão começou a falar sobre como aquilo tudo que tinha acontecido lembrava ela dos bombardeios aliados à cidade dela, Augsburg.

10 anos depois, lendo sobre os eventos de lembrança da fatídica data, vendo as reportagens no Fantástico (incrivelmente superficiais, incrivelmente óbvias - o quão chato é ouvir aquela voz da Patrícia Poeta de professora-de-biologia-boazinha-dando-uma-notícia-triste-mas-com-uma-mensagem-feliz-no-final) engraçado perceber que o tempo passa, as lembranças ficam mas os discursos acabam mudando. Bush hoje em dia é um mero coadjuvante, o discurso oficial do presidente é bem menos "O-estilo-de-vida-democrático-e-livre-da-América-foi-atacado/Let's NUKE them!", Obama encarna o discurso inspirador chatinho de presidente americano mas em um tom bem mais light e Bloomberg é seguramente bem menos carismático de que Giuliani (afinal somente um imbecil proporia cortar a leitura dos nomes das vítimas nas próximas cerimônias - aquela encheção de saco de um monte de adolescente americano dentuço mal vestido cantando aquele hino irritante pode ter, mas o único momento em que cada um dos mortos é relembrado... ah, pode esquecer?!). O Afeganistão foi devidamente introduzido à sociedade moderna (afinal, quem precisa de hospital quando se tem Subway?); o Iraque é praticamente um resort babilônico em termos de tranquilidade e liberdade e o Paquistão continua sendo o mesmo lugar complicado de sempre.

Ironias a parte, acompanhando a reação de alguns amigos (americanos e não americanos), não pude deixar de pensar em uma coisa. Em como nos preocupamos com o que aconteceu em Nova York naquela manhã de Setembro de 2001. Triste foi, triste sempre será ver imagens como a clássica "The Falling Man" e não pensar por ao menos um segundo no pânico em que 2.606 pessoas viveram, algumas delas ao perceberem que não conseguiriam sair do prédio, algumas delas ligando para seus parentes e dizendo a última coisa que elas sabiam que iriam dizer, algumas delas tendo que fazer a cruel escolha entre a morte por asfixiamento ou a a queda livre em direção ao fim. Mas ainda assim... como nós nos preocupamos com o que aconteceu ali, naquela manhã de Setembro de 2011, nos emocionamos com os documentários e reportagem sobre o tema. E nem sequer nos lembramos do que aconteceu no dia 11 de Julho de 1995, quando cerca de 8 mil homens e meninos deram adeus para suas mães e irmãs e foram levados pelos sérvios, sob o complacente olhar das forças holandesas para Srebrenica. Ou fazíamos, o que a imprensa internacional divulgava (os preparativos para a Copa do Mundo, talvez?) nos primeiros dias de Abril de 1994 enquanto o Tenente-General Roméo Dallaire tentava convencer algum burocrata de Nova York que a crise em Ruanda era séria e que desencadearia na morte de somente 800.000 mil pessoas.

Impossível chamar uma morte pior do que a outra - afinal, para algum parente, irmão, primo daquela pessoa, aquele evento foi a fonte da pior dor que pode existir. Mas me incomoda, enquanto cidadão brasileiro, ocidental, que assiste a TV Globo e vê documentários e filmes no Multishow/History Channel/Fashion TV pensar que algum tipo de voz foi dada a quem morreu no WTC (O que elas pensaram? Quais foram seus últimos minutos? Quem sobreviveu?) e tantas outras histórias foram absolutamente ignoradas. Por que nos identificamos mais com os americanos? Por que valorizamos mais a vida de um americano? Por que conseguimos nos relacionar mais com a "tragédia vivida pelo povo americano" do com o que aconteceu em um pais tão não-desenvolvido como o nosso?

Justamente o nome de cada uma dessas pessoas que morreu será gradativamente esquecido. E o que ficará será o discurso oficial. O simbolismo. O monumento grandioso. A data onde as pessoas pararão durante 1 minuto para pensar em como vivem na melhor nação do Planeta.

Quanta idiotice.

P.S.- Terminando de escrever a monografia, sorry pelo desaparecimento e em caso de saudade desesperadora, sempre tem as minhas colunas quinzenais no Aqui só tem Bafon.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

19h40 no Rio de Janeiro

Eu sou economista. Ou melhor dizendo, sou um soon-to-be economista – estou nas minhas semanais finais de faculdade. Eu gosto da minha faculdade, eu gosto do meu trabalho. Eu gosto de estudar Economia - é bem menos matemático do que as pessoas pensam e é uma faculdade que obriga você a pensar sob perspectivas diferentes (se você teve a chance de estudar na faculdade que ensina Economia e não Finanças). Eu gosto do meu trabalho – acho interessante a adrenalina que os negócios desperta, o exercício de ter que ser mais sucinto (algo que eu necessito bastante... e que definitivamente não sou nesse blog. :D).

Mas alguns dias parece que eu sou tomado por um sentimento de apatia. Não que eu esteja triste ou insatisfeito com algum aspecto da minha vida. É só um sentimento de 'boredom' com a previsibilidade do mundo ao meu redor. Algo momentâneo, algo que tende a acontecer muito especificamente em segundas e terças-feiras. Você olha para as pessoas ao redor, as conversas e atitudes parecem previsíveis e funcionais demais. Independe do lugar: pode acontecer num deslumbrante dia de outono no Rio de Janeiro, um domingo de verão em Hamburgo ou uma quinta-feira em Paris de férias. São dias em que o meu indomável humor me permite somente fazer o estritamente necessário: compromissos, tarefas do trabalho, estar presencialmente numa aula da faculdade. Estritamente o necessário, porque todas aquelas coisas necessárias e rotineiras que deveríamos fazer no tempo 'livre' se tornam mortalmente entediantes. E eu sei que eu não adianta sentar e 'pelo menos tentar'. Eu preciso de algum estímulo externo, de algum momento em que a minha atenção esteja totalmente focada em algo que me faça parar de pensar no 'o que eu deveria fazer' e me 'transporte' para algum outro lugar.

São nesses dias em que eu vou ao cinema.

Hoje, após sair do trabalho (e depois de cumprir a minha nobre parte enquanto membro do sistema capitalista de produção :D), comprei meu Doritos e minha Fanta Uva (gastronomicamente abominável, gastronomicamente delicioso :D), fui ao Espaço Unibanco e comprei meu ticket para 'Meia Noite em Paris'. Sentei numa cadeira entre dois casais, um tanto quanto ridículo no meu terno e na minha cara de entediado e esperei as luzes se apagarem. E simplesmente viajei.

O filme começa com uma 'cruel' combinação de jazz com cenas de Paris que conseguiram derrubar a minha apatia no primeiro instante. Não sei se foi o jazz ou Paris, mas a combinação dois dois conseguiu derrubar ridículas e incontroláveis lágrimas dos meus olhos. De novo, não por uma tristeza específica. Mas só pela beleza sensível que os filmes do Woody Allen tem a característica de começar. Talvez pela lembrança de estar naqueles locais que agora já me são familiares, de lembrar de mim incrivelmente triste na primeira vez, incrivelmente feliz na segunda e terceira. De pensar na pessoa que me espera lá, de como eu inconscientemente sinto mais falta dela do que conscientemente percebo e de como relacionamentos a distância são incrivelmente cruéis, mas incrivelmente fantásticos quando acontece de você estar junto da pessoa, mesmo que seja por alguns dias.

Uma das minhas maiores implicâncias com atores de Hollywood seguramente é com o Mr. Owen Wilson – o acho canastrão, piegas, o estereótipo do ator americano sem muito conteúdo dramático e profundidade. Precisou de Woody Allen para que ele (Wilson) conseguisse me transmitir alguma empatia com algum personagem que ele interpretasse. A história do escritor americano fascinado por Paris cercado de práticos americanos que logo se tornarão sua família é muito mais cativante do que uma resenha de jornal/blog pode transmitir. Woody Allen conseguiu capturar uma nuance de Paris incrivelmente específica, incrivelmente tênue e que infelizmente demora algum tempo para que se possa captar. Paris é uma cidade dolorosamente nostálgica (em oposição a Londres, onde tudo parece estar se transformando em algo excitante, algo mais moderno, algo mais cool). Tudo parece remeter a uma época, um estilo de vida, um Zeitgeist que não existe mais. Tentando explicar em termos mais práticos, a sensação é a de estar entrando em um salão de festas onde aconteceu uma festa notoriamente fantástica, mas na qual você não esteve. As pessoas, sorriem, as pessoas fumam, as pessoas conversam, enquanto você, turista solitário com tendências melancólicas que toda viagem sozinho sempre acaba despertando, inevitavelmente se pergunta como seria se você conhecesse aquelas pessoas, se você estivesse naquele lugar, se você tivesse estado ali naquele instante. Ao seu redor, a horda de turistas japoneses e americanos, tirando desesperadamente fotos e correndo de um ponto turístico para o outro. E você se achando um louco por não estar fazendo exatamente a mesma coisa, com tantos lugares 'que você tem que conhecer!' naquela cidade – mas o número infinito de páginas de possibilidades do guia desestimulam cada neurônio do seu cérebro, e você decide ficar andando e andando por aquelas ruas invariavelmente bonitas.

A mensagem do filme pode ser mesmo que tendemos irracionalmente mesmo a achar que seríamos mais incrivelmente em algum outro momento: da história, das nossas vidas (se elas tivessem seguido um rumo diferente). Na minha opinião? De que todo mundo precisa de um pouco de ficção, de um pouco de surrealidade para mudar a perspectiva do presente, do racional, do agora. (Ah, Adrien Brody de Salvador Dali, com o seu perfeitamente enorme e fantástico nariz que me fazem esquecer qualquer vontade que eu teria de um dia de mexer no meu...).

E eu saí do cinema, caminhei para o ponto de ônibus na Praia de Botafogo, olhando para a vista fantástica que essa cidade sempre acaba proporcionando. Com o meu olhar ajustado, com o meu humor ajustado, com jazz ressoando na minha cabeça. E pensando em como um bom filme sempre acaba colocando qualquer mente inquieta de volta ao lugar, reequilibrando as doses necessárias de nostalgia, poesia e de ficção que precisamos tanto para levar nossas sérias vidas a frente. No Rio de Janeiro. Ou em Paris.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Sobre a difícil arte de criticar

Tenho uma lembrança exata desse momento, logo nos meus primeiros dias de faculdade na Alemanha (Checklist do Projeto “Tornar-o-meu-blog-uma-vitrine-para-mostrar-como-sou-foda-inteligente-AND-jet-setter”: menção ao período em que eu morei na Alemanha + menção ao fato de que eu efetivamente estudei em uma universidade européia: DONE). Era aula de “Interação Cultural” com a professora Iken (o arquétipo da intelectual alemã: alta, vestida com roupas e tons sóbrios, cabelo eficientemente cortado em Chanel, morou por 5 anos em uma comunidade tribal no interior da Namíbia), ela sentada no final da sala de aula e uma aluna alemã (Hanna) na frente fazendo uma apresentação em PowerPoint sobre um texto da disciplina. Apresentação ligeiramente chata, depois de 15 minutos de luta contra o meu permanente sono daquela época (o lado nada legal de frio + falta total de luz solar que é o inverno báltico), batidinhas de madeira muito educadas, aluna agradece e senta.

Frau Iken levanta e diz que quer um comentário de estudante estrangeiro sobre a apresentação. Óbvio que ela aponta para o “aluno de cabelo encaracolado, o com cara de espanhol”. Eu obviamente era o único com cabelo encaracolado naquela maldita sala. Sorriso amarelo no rosto (afinal, uma das piores coisas do mundo é obrigar um estudante a criticar a apresentação de um outro estudante – qualquer comentário menos empolgado do que “Foi ótimo, achei muito bom!” ou com mais do que 10 segundos é passaporte sem volta para o clube dos Rejeitados&Odiados. Eu não queria entrar nesse clube. Eu não tinha amigos naquela droga de cidade, e aquele combo de frio e falta de luz estavam me deixando deprimido.), e eu comento “Foi ótimo, achei muito bom!” e olhei para a professora com aquela cara de “Mi English no es muy good!”. A professora ri como quem diz “Eu te entendo...” e diz que quer a opinião de uma estudante alemã. Escolhe Sarah, uma loirinha com suaves olhos azuis e carinha de camponesa inocente das planícies de Jutlândia. Sarah abre a boca e manda:

- O slide 4 estava mal explicado, o slide 5 estava mal estruturado, o slide 7 foi superficial demais e poderia ter sido bem melhor explicado com os textos que foram indicados para a apresentação, o slide 10 e 12 estavam confusos e não muito claros. No geral ela falou baixo e um pouco rápido demais, mas foi bem interessante a apresentação.

Eu ri nervoso de tão chocado que eu fiquei. Olho para frente e vejo Hanna anotando todas as sugestões da Sarah com a cara mais “Sim, muito bom seus comentários, obrigada!” e voltando para sua cadeira com aquela cara de tranqüilidade de quem não precisa fazer mais uma apresentação. Eu olho ao redor procurando alguém para comentar “BAFÃO! Caramba, você viu isso?!”. Todo mundo com a cara mais normal do mundo. Eu olho para a professora, ela ri e fala que esperava exatamente a minha cara de surpresa. E começa a falar sobre a diferença da forma de criticar entre alemães e latinos.

Depois de algum tempo na Alemanha, óbvio que comecei a pegar o ritmo local (mas claro, quando EU fiz a minha apresentação eu comecei com uma mensagem prévia onde disse “Eu sou latino, eu sou sensível, na minha cultura críticas em 90% dos casos são levadas para o pessoal. Por favor, PEGUEM LEVE!” e todos os alemães riram e obedeceram a minha ordem) e comecei a tentar ficar frio quando passava por situações como essas. Óbvio que nunca consegui 100% - se existe uma pessoa que escuta críticas, leva para o lado pessoal e fica mal com isso, essa pessoa sou eu. Mas só consegui efetivamente ficar bem com isso quando eu peguei a lógica dos alemães nesse aspecto: a crítica sincera é a forma mais eficaz de melhorar algo. E de você dizer que uma pessoa tem capacidade para fazer melhor.

No ano passado, no período imediatamente posterior a um comentário meu em um post do blog do Tony Goés (to be found here) que gerou uma pequena celeuma parecida a que ocorreu nos últimos dias, escrevi um post (this one) no qual eu comentei alguns pensamentos meus sobre como é difícil ter um blog e principalmente lidar com o inevitável: as críticas das pessoas que pensam diferente de você. Relendo o post, ainda percebo que sustento integralmente o que eu escrevi naquela época. Abrir um blog a comentários é praticamente instalar um telhado de vidro acima de você com LED's piscando "Atire aqui". Mas sem os comentários, blogar vira uma via de mão única, sem o inestimável benefício de ter a sua opinião contestada e de te dar a possibilidade de pensar sob óticas novas, perspectivas diferentes.

E quando falo comentários, falo de comentários que analisam o que você escreveu. Todo blogueiro adora escutar elogios, todo blogueiro adora receber comentários positivos e, com o tempo, todo blogueiro perigosamente cria uma necessidade dos comentários elogiosos dos leitores mais assíduos do blog - que obviamente são os que mais se identificam e pensam como você. 99% dos leitores que leram seu blog uma vez e não curtiram não vão voltar a ler o seu blog. Dentro desse 1% que leu, não gostou, ficou puto/ofendido com o que você escreveu e se motivou a apertar o botão de comentários, a esmagadora maioria vai assinar como 'Anônimo' e meter o pau com o objetivo de te ofender pessoalmente. Agora, a pequena minoria que não concordou e que vai meter o pau em você com argumentos válidos, contestando com base no que você escreveu... esse é o tipo de comentário que com certeza faz valer a pena ter um blog. Esse comentário é aquele que vai fazer o blogueiro parar por 1 minuto e pensar "Será que eu realmente podia ter pensado de forma diferente?".

Sinceramente, achei o post do Tony sobre a morte do Bin Laden uma análise rasa e superficial. Parei para ler o post depois de um dia de trabalho + faculdade intenso (como infelizmente a maioria dos meus dias são:  sabe como é, infelizmente não dá para fazer uma ponte aérea "Brasil-Europa" sempre que dá vontade - Checklist do Projeto “Tornar-o-meu-blog-uma-vitrine-para-mostrar-como-sou-foda-inteligente-AND-jet-setter”: menção ao fato de que eu viajei para o Exterior nos últimos meses independente do fato de que somente viajei DUAS vezes para o exterior em toda a minha vida: DONE) e discordei de quase tudo do que ele falou ali. Apertei o botão de comentários e escrevi tudo o que eu pensei sobre o que ele tinha escrito - em muitas linhas porque essa a forma que eu escrevo, relacionando com as coisas que eu já li/escutei/estudei porque foram coisas que eu li e eu veio na hora falar - e enviei o comentário. Sob o meu nome, sob o meu avatar porque foi isso realmente o que eu pensei e porque acho incrivelmente bobo e covarde entrar um blog e enviar uma opinião sob a máscara do "Anônimo" e porque sou inteligente o suficiente para saber o Tony saberia que eu escrevi aquele comentário.

Sobre a resposta do Tony (que gerou toda a discussão) em si, acho que vale muito pouco a pena comentar, ele deixou claro os argumentos e prerrogativas dele num post do blog dele que todo mundo leu e ponto final. Sobre o Tony as blogueiro, tirei cinco minutos do meu dia (quando poderia estar levando 'meia hora de rola' - Anônimo, você nem sabe o quanto faria bem pelo menos meia hora... :D) para comentar sobre aquele post porque achei e acho que ele tem capacidade intelectual de sobra, experiência de vida (que infelizmente eu não tenho - concordo plenamente que muita coisa só se aprende com o tempo: mas não tudo) e leitura de boas fontes o suficiente para ter escrito algo melhor e mais fundamentado. Já entrei em milhares de blogs, leio assiduamente os que estão no meu blogroll e comento nos quais acho que vou ter uma opinião diferente ou concordante sobre aspectos que me interessam e onde sei que o autor pode rebater a altura/mesmo nível. That is it. Foi isso que aconteceu naquele post, concordo quando Lucas T. disse que "Pensei que pela sua idade avançada (sorry, não resisti) fosse kind of imune a certos comentários e "retaliações".", acho que os comentários "Incrível seu texto! Muito bom!!!" redundantes e sinais de uma necessidade de atenção e carência desesperada por parte da figura do leitor que eu não consigo entender e ponto final. Continuarei lendo o blog 'Tony Goés', continuarei comentando nos posts em que eu discordar e achar que vale a pena mesmo falar alguma coisa, continuo achando o Tony um cara interessante por toda a experiência de vida (completamente diferente da minha) e (mais uma vez) ponto final.

Sobre os comentários gongativos em relação ao blog (que obviamente vocês sabem que eu li - e o melhor de todos, seguramente, é o do 'O Gato Comeu' e "...tony sinto que no fundo vc tem um coração, o fernando eu já não sei, parece que ele tem uma calculadora de milhas de viagem no peito." - Lieber, Ryanair é uma empresa onde as comissárias de bordo vendem bilhete de loteria durante o vôo e que tem planos de vender passagens onde os passageiros voarão em pé. Você realmente acha que eles tem programa de milhagem? Mesmo?!), claro que eu fiquei (por cinco segundos - tempo que a minha hiperatividade me permite ficar focado em alguma coisa) chateado, claro que eu repensei sobre a utilidade de realmente blogar e colocar a minha cara a tapa na blogsfera. Óbvio que ler "Não gosto do blog do tal Fernando. Posista, pernóstico, deslumbrado. Prolixo ao extremo. Despreza solenemente a inteligência de quem se interessa pelo que ele escreve." me faz pensar se eu levei o meu blog na direção correta, se realmente eu reflito quem eu sou e o que eu realmente penso no Lost und Found in Translation.

Mas e daí que eu sou considerado "prolixo ao extremo"? (Momento "Abrindo meu coração": fiquei durante anos grilado com o fato de eu sempre usar muitas palavras e informações para falar sobre qualquer coisa até o dia que, em um date com um russo, eu comentei que adorava Dostoievski e o FDP respondeu "Dá para ver. Você não pára de falar. Eu odeio Dostoievski.". Sorri amarelo, levei o date até o final da noite, deixei o cara visivelmente puto quando falei que queria ir para casa. E continuei lendo Dostoievski e seus calhamaços cheios de frases intermináveis.) E daí, por ser crítico ao capitalismo, eu sou considerado "comunista de butique"? (uma das minhas melhores amigas - uma das pessoas mais inteligentes e brilhantes que eu conheço, uma das poucas que leu Marx, conseguiu entender 5 linhas do que ele escreveu e que eu consigo sinceramente chamar de "comunista" - riu ALTO com essa. Justamente por saber a profundidade e conhecimento que eu tenho sobre qualquer coisa que Marx já escreveu. :D) E daí que eu sou considerado "esnobe" e eu seria "muito sabe-tudo, é muita finesse adquirida que essa gente (nós míseros leitores) não tem, muito conhecimento pronto e acabado, economia, enologia, linguística, história universal..."? (Bem, os posts sobre a minha crise de Mid-20's ou sobre o meu 'desconforto' por eu, na verdade, eu ser suburbano estão ainda no ar.) E daí que eu "endeusaria a minha experiência de intercâmbio na Europa"? (O primeiro post do blog também ainda está no ar e explica muito do que me motivou a começar isso daqui)

No fundo, é como um grande amigo resumiu hoje em um email para mim. "Mas esse é o preço de se expor na internet. Deixar que alguém que só enxerga uma moldura sua te imagine por completo.". E o que eu posso fazer? Convidar cada um dos anônimos a ler os posts que eu linkei acima e meter o pau em cada um deles - com argumentos, bien sur. E that's all.

E continuemos com a programação de sempre.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

The English Dream

Antes de escrever esse post, eu me peguei pensando em como eu poderia introduzir o assunto que eu quero falar. Eu poderia fazer um enorme post descrevendo o surgimento do conceito de nacionalismo como doutrina e ideologia no final do século XVIII, citar alguns grandes autores e ensaístas da época para dar um respaldo intelectual, puxar um gancho para meter o pau em algum aspecto que supostamente considero decadente da sociedade brasileira contemporânea (acho que alguns leitores mais erráticos do blog realmente acreditam que eu tenho um globo terrestre na minha casa onde todo dia antes de dormir eu espeto uma agulha no mapa brasileiro falando "Terrinha maldita! Deuses da Economia, mandem uma crise para esse país de quinta e façam com que essa classe média medíocre passe a não ter dinheiro nem para passar um final de semana em Pedro Juan Cabellero!", passo a mão suspirando "Um dia eu volto, um dia eu volto..." por todas as estrelinhas douradas coladas sob as capitais européias que eu conheci, desligo a luz do quarto e vou dormir abraçado com um travesseirinho com fronha "I (heart) Europe"), fazer alguma previsão pessimista-deprimente-catastrófica sobre os próximos acontecimentos e terminar o post com uma mensagem de esperança para não deixar os meus leitores muito deprimidos e tentar aliviar um pouco a minha fama de "chato-corta-barato".

Mas obviamente a forma informal de começar a falar o que quero é BEM mais interessante. E enrolar lingüiça para tentar pagar uma de intelectual 'meu-maior-sonho-é-fazer-mestrado-sobre-os-trabalhos-de-(inserir nome de autor de nome difícil, com trabalhos controversos e textos absolutamente impossíveis de ler)' é algo que eu já faço diariamente na minha querida faculdade de Economia, portanto... não preciso fazer isso aqui no blog e... lá vai!

(Primeiro, imagina uma coisa 'campo florido', uma coisa Grieg, uma coisa 'comercial de perfume floral francês'. Foi? Não! Não rola imaginar Holambra porque interior de São Paulo logo vai desembocar em Monteiro Lobato, Sítio de Picapau Amarelo com aquela dona Benta chata entupindo todo mundo de comida gordurosa, tradições do interior brasileiro e quando você menos esperar Barretos vai aparecer e vai foder com o que eu quero que você pense. Tem que ser campo florido de região de clima temperado. Rola imaginar Rio Grande do Sul - se na cidade próxima não tiver Festival da Uva/Maçã/Lichia Fúcsia nem Rainha/Princesa do Festival tentando convencer que vale super a pena viajar até Porto Alegre/Curitiba/Florianópolis, se enfiar num carro por 20503 horas para chegar numa cidade perdida no meio do nada e comer 20504 variações do mesmo legume/fruta nas mais diversas e calóricas possibilidades.)

Em algum momento do século XVIII, as grandes nações européias caíram na real que a lânguida-virgem-e-frágil-camponesa-louca-para-dormir-com-o-tratador-de-cavalos-do-vilarejo era absolutamente iguais na Normandia, na Baviera e na Jutlândia - impossíveis de distinguir uma da outra. Perceberam que precisam denominar uma fronteira, um idioma, uma capital para cada um dos países que eles tinham na cabeça. E claro, o mais importante: inventar uma série de tradições, lendas, mitos e valores que cada uma das queridas nações européias deveria representar.

E nisso os franceses saíram pegando logo o conceito de luxo, sofisticação e finesse (confessa que não dá para imaginar que um lugar com um nome tão chique como "Noisy-Le-Sec dans Seine-Saint Denis" é isso); os alemães, o conceito de burguesia intelectualizada, esclarecida e filosófica (rá-rá-rá); os italianos, a tradição representada pelo Império Romano e a sofisticazione representatta per il idioma italiano; e daí para frente.

Obviamente os ingleses não ficaram para trás. Olharam para o diabo daquelas ilhas chuvosas-e-cheias-de-ovelhinhas, pensaram na bosta que era ainda ter que dividir aquilo tudo com povos super civilizados como escoceses, irlandeses e galeses e ter que fingir que Edimburgo, Dublin e Cardiff super eram tão importantes como Londres. Olharam para o outro lado do Canal da Mancha, viram os franceses dando uma esnobada para eles, pensaram "Isso vai dar merda, temos que unificar essa porra aqui.", até que... provavelmente algum Lorde em alguma sessão levantou a mão e disse "Já sei! Vamos complicar ao nível do absurdo qualquer aparição daquele inútil do Hampton Court Palace! O símbolo britânico vai ser a Família Real! O símbolo britânico vai ser o protocolo!".

Daí já viu: algum inglês perdido em alguma manufatura inventou alguma máquina a vapor que deu meio certo, a Inglaterra ganhou rios de dinheiro, percebeu que o maravilhoso exemplo de administração das próprias Ilhas Britânicas tinha que ser repetido em outros lugares do mundo, simpaticamente convidou a Índia e metade de África para tomar chá todo dia com eles, começou a arranjar quizumba com os franceses, começou a arranjar quizumba ainda maior com os alemães, se fudeu porque o povo missionário-mala do Mayflower copiou todas as máquinas deles e ficou ainda mais bafônico e rych do que eles, metade das colônias resolveram ser pobres e miseráveis sem o passaporte britânico (e ter a emoção de poder imigrar legalmente para o Reino Unido!), Londres passou a ser uma cidade cool-but-not-so-cool-as-NYC e ponto final.

Mas depois de todo esse tempo a merda já estava feita, e o mundo estava convencido: os britânicos eram os representantes mais fleumáticos do protocolo. E as imagens de uma família britânica branca-loirinha-e-dentucinha (absolutamente indistinguível da Família Real da Áustria, Rússia, Espanha ou Alemanha) acenando da sacada do Buckingham Palace, roboticamente impecável-simpática-e-grata-pelos-contribuintes-não-terem-os-decapitado (França tá ali do outro lado, gente!), cerimônias cheias de firulas e sem o menor sentido prático e funcional em democracias modernas e esclarecidas mas que supostamente remetem a tradições milenares criadas no século XVIII e banquetes onde Lordes e Ladies de Cheddarham ou Fuckinghamshire comparecem e as mulheres sustentam absurdos-e-cafonérrimos chapéus correm o mundo. Em nossas simples repúblicas, semelhantes farras faraônicas com o dinheiro público levariam a processos, provocariam indignação popular, impeachments ou derrota do presidente nas próximas eleições. No reino encantado das Ilhas Britânicas? Provocam um suspirinho de "Ah, como é romântico ter uma Família Real como os ingleses tem...".

Semana passada em Paris eu me deparei com um dos periódicos mais lidos das terras gaulesas estampando na capa uma foto de Kate e William e uma manchete "British so Cool". Basicamente uma lista, escrita por jornalistas franceses, dos motivos pelos quais os britânicos eram muito mais cool do que os franceses. Dois minutos de choque (Francês elogiando inglês? Que porra é essa?!) precedidos de uma rápida olhadela ao redor para uma Rue des Martyrs absolutamente deslumbrante sob um céu completamente azul de primavera e parisienses casualmente bem-vestidos comendo+fumando do lado de fora de elegantes pequenos bistrôs e a minha cara de "Como os ingleses são mais cool que os franceses?!". Tudo bem, eu sei: auto-flagelação e reclamar da 'decadência da sociedade francesa contemporânea' são atividades nacionais francesas favoritas e a França não se restringe ao arrondissements elegantes de Paris. Mas ao mesmo tempo (e todo mundo que teve amigos ingleses pode confirmar), por que diabos sempre acabamos associado ao conceito "Britânico" uma imagem fina-refinada-e-trenchcoatiada e nunca a imagem que todo mundo sempre mais vê em Londres?!

Enfim, tudo isso para dizer que acho muito bonitinho as thousands Union Flags espalhadas por Londres, muito simpático todo aquele povo farofeiro-cheio-de-dente-mal-tratado acampando em frente ao Palácio de Buckingham para ver um monte de batedor da Polícia Inglesa cobrindo o Rolls-Royce da noiva, muito interessante o fato de que o vestido que Katherine Middleton irá utilizar é um assunto mais importante para a Folha (e pelo que parece, para o mundo) do que o massacre que as tropas do Gaddafi estão provocando em Misrata. But, engolir soft power britânico e ficar bradando bandeira britânica e suspirando pela pompa e tradição britânicas não rola. Londres é absolutamente imperdível, a Inglaterra é fofissimamente vários dos clichês que eu tinha criado na minha cabeça antes de ir e toda a tradição imperial realmente é legal e vale a pena ser vista e compreendida. Mas comprar esse idéia de que britânico ainda é um povo educado que toma chá às cinco e que é aquela imagem inatingível de formalidade e sofisticação... no way. Não tenho paciência nem saco.

(Que sobrevivemos ao dia de amanhã, dear Lord...)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Arrêtez tous les bonnes boissons!

Ok, pequeno quiz para os meus leitores.

Pergunta: Onde estou?

Dicas:
#1: Eu consigo chegar do aeroporto a cidade pegando um simples trem (ja o mesmo nao se pode dizer do Rio, neam? Pqp - demorei quase 2 horas + um taxista que me enrolou para sair da ZS e chegar naquele diabo chamado Ilha do Governador. Num trajeto que normalmente demora 30 minutos, mas que consegue a facanha de pegar tanto o engarrafamento de quem entra e de quem sair do Rio! Detalhe: morri uma fortuna no taxi para nao chegar atrasado... e o voo saiu 30 min porque a "tripulacao ficara presa num engarrafamento". Sweet...)
#2: Tem restaurante indiano na esquina. E logo depois, um antilhano. E por perto, um ruandes. :D (Ou seja: PF de bife de contra-file com batata-frita my ass!)
#3: Eu estou usando trench-coat. E barra da calca dobrada. E cachecol. ;D (E ninguem torra a minha paciencia que eu estou de crossover de "ingles com calca de Chico Bento" porque isso é IN aqui... :D)
#4: Tem uma H&M por perto. (O QUE? TEM UMA H&M POR PERTO?!)
#5: Fernando esta absurdamente feliz porque esta lembrando de uma parte dele que estava latente ha meses: a curiosidade de perceber com o outro pode ser tao diferente... e tao fantastico. :D


E ai? Deu para descobrir?

(Ah, dica #6: Na porra desse lugar os teclados tem uma ordem diferente, o que torna escrever uma atividade total "Tia cega catando milho".)

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Elegance is about the way you cross your legs, not the label or the newest clothes from the latest collection

Raríssimas as vezes eu postei aqui um artigo ou entrevista na íntegra (aka. 'nome elegante e jornalisticamente sofisticado para o processo de ctrl v + ctrl c'). Mais raro ainda (ou inédito no blog?) um post sobre moda, um assunto que sinceramente me interessa bem mais do que eu deixo expressar pelos meus textos aqui no blog.

Mas algumas matérias necessitam ser divulgadas, necessitam ser espalhadas, necessitam ser lidas. Por que então eu acho que a entrevista de Carine Roitfeld para a Spiegel Online International merece isso?

#1: C'est Carine Roitfeld, chérie: Como?! Não sabe quem é ela? (Primeira reação choque + Pensamento 'Em que planeta você mora, dear? Planet Girls?!', Segunda reação: Respira fundo, ajeita a camisa social e vai) Sabe o 'Diabo veste Prada'? Sabe Miranda Priestly (meu sonho é virar um chefe e despachar os meus subalternos+estagiários com um seco 'That's all."), o papel da Meryl Streep? Então, ele foi inspirado em Anna Wintour, a toda-poderosa editora-chefe da Vogue Norte-Americana - uma excelente profissional, com um poder absurdo na mão, que catapultou as vendas da Vogue America para a estratosfera, bla bla bla. Mas que vamos combinar: ainda é a Vogue America - onde que americano é um povo conhecido pelo estilo de se vestir?! (Afinal, EUA é o país disso, disso e disso.) Carine Roitfeld é simplesmente a equivalente de Anna Wintour na Vogue Paris, petit. P-A-R-I-S. Primeiro, ocupou o cargo da principal revista de jornalismo de moda na capital de moda mundial (Paris, dã?!). Segundo, ela conseguiu catapultar as vendas da Vogue francesas em um momento de recessão das grandes editoras e ao mesmo tempo estabelecer a Vogue francesa como a publicação internacional quando se trata de inovação e originalidade em termos de jornalismo de moda. (Impossível comparar a o climinha "Quem Acontece meets Bloomingdale's" da Vogue America com os absurdos promovidos por Mme. Roitfeld na Vogue Paris.). Terceiro, ela é inteligente, ousada, fala merda e literalmente rocks. (Preciso realmente afirmar o quanto eu acho ela foda?). E quarto: assez.

#2: Sentir a essência do que é a moda da perspectiva de uma francesa: Primeiro que 'moda' é uma palavra que não faz sentido para um francês - eles preferem definitivamente usar o conceito de 'estilo'. Segundo, c'est bien: você pode argumentar que franceses não curtem um banho (falando francamente, até hoje eu ainda não encontrei um francês fedidinho - agora, meu querido, dá uma passada no trem ramal Japeri no horário de rush do final da tarde...), que já viu vários turistas de France absurdamente mal-vestidos dando pinta por Ipanema/Copacabana e até que Christian Audigier é francês. (Agora eu fico feliz se você não sabe quem é Christian Audigier: ele é o Cocô Chanel do creyçon fashion style no Primeiro Mundo, sua marca Ed Hardy é absolutamente idolatrada por todas as celebs Z-List Europa e EUA afora e suas roupas tem o maravilhoso pode de te deixar instantaneamente tão elegante quanto um integrante de gang de rua de subúrbio de San Diego. Resumindo: na hora em que chegar a primeira camisa no Brasil, será sucesso de vendas instantâneo.) Mas é inegável que a 'moda' é uma característica fundamental da cultura francesa. E indispensável da cultura urbana parisiense - eu não diria exatamente que os parisienses são os mais bem-vestidos (dentre as cidades que eu conheci na Europa, esse título segue fácil para Estocolmo - os escandinavos em geral tem um senso estético muito apurado para tudo o que envolve 'design', mas os suecos facilmente são os que mais aplicam isso em termos de 'estilo de se vestir': não é somente um 'usar roupas caras', mas um senso de saber escolher, saber combinar itens a primeira vista comuns e construir com o conjunto um visual essencialmente moderno e trendsetter), mas existe algo no jeito de vestir do parisiense em geral que atrai o olhar de qualquer um que visita a cidade. É um estilo clássico, simples, focado em peças básicas com acessórios de impacto, que quase sempre resulta num estilo que poderia ser classificado como 'casual sofisticado'. Descrevendo assim parece algo 'uniforme', eu sei, mas andando por Paris é incrível como você consegue ver isso em estilos/tribos tão absurdamente diversos, do bohemian ao gótico. Tudo relacionado à um equilíbrio: not too much (italiano demais) a ponto de transmitir informação demais sobre você, not way too less (americano por essência) a ponto de o que você vestir não passar impressão/imagem/idéia nenhuma sobre quem você é. Resumindo o paragráfo gigante que eu acabei de escrever: de forma geral, o francês tem uma noção de que moda é uma das formas mais efetivas de passar uma mensagem pessoal para o mundo - e eles pensam sobre isso.

#3: Para relembrar que jornalismo de qualidade consegue transformar um tema que tão facilmente desbanca para a futilidade tipo 'o-novo-preto-da-estação-é-o-oncinha'/'oh-como-somos-fúteis!' em algo realmente intelectualmente interessante de ser lido: Sendo muito sincero, desconheço qualquer meio de comunicação escrito no Brasil que teria a capacidade/coragem de fazer uma pergunta como 'Can anyone who has spent 20 years in the fashion industry still be normal?' e acho que temos que reconhecer: mídia escrita de grande circulação, no Brasil, com qualidade para ser lida deixou de exisitr há muito tempo. Depois que a Folha passou a 'Crise Árabe' inteira ridiculamente traduzindo textos das grandes agências internacionais de notícias e destacou um time de jornalistas/escritores para discutir o BBB, acho que ficou mais do que sublinhado o fim da Folha como um jornal efetivamente com conteúdo. Em fúcsia. E itálico.

#4 Deswegen habe ich fucking Deutsch gelernt: Dois anos indo estudar alemão no CLAC (toda segunda e quarta, as 7h30!) na ilha do Fundão (@For-não-cariocas: Uma ilha longe longe, muito longe, muito muito longe, praticamente com microclima próprio, impossível de se chegar nos horários de rush, onde ficam a maior parte dos cursos ds UFRJ) + 5 anos de Goethe Institut (#1: Para dar uma dimensão da coisa, quando eu comecei a estudar no Goethe a moeda alemã ainda era o marco; #2 Cinco anos aturando os alunos insuportáveis de Germanística, que ficavam competindo quem decorava a declinação de mais prepsições; #3 O curso inteiro dura 10 anos. D-E-Z-A-N-O-S. Deprimente pensar que em 10 anos quem aprendeu inglês consegue praticamente escrever uma tese de doutorado - quem aprendeu espanhol, uma tese de doutorado em estudos comparados da antropologia do século XVII - e quem aprendeu alemão... consegue falar bem alemão.) + 1 ano de Alemanha (Onde primeiro eu me deprimi ao perceber que 7 anos de alemão me ensinaram a basicamente gaguejar em alemão, depois comecei a decifrar razoavelmente o que a maioria das pessoas falavam - já participou de uma reunião de duas horas onde você tinha que escrever uma ata e basicamente conseguiu entender somente o "Bom dia, estamos aqui..."? Eu já. No meu primeiro dia do estágio novo. - e ao final eu conseguia... me comunicar em alemão... mas tinha finalmente entendido que Hitler não ganhou a Guerra porque alguma força superior existe e não deixou o alemão se tornar a língua franca mundial que falar aquela Scheiße de idioma fluentemente somente nascendo na Alemanha.) = Determinado conhecimento do idioma alemão. Por que? Eu também não sei explicar. Mas, sendo muito sincero, ter acesso à imprensa alemã justifica muito desse esforço: a qualidade e a profundidade das matérias dos semanários alemães é impressionante. São páginas e mais páginas (a Spiegel média quase sempre fica pelas 400 páginas) de matérias que vão a fundo em temas relevantes, colunas com especialistas que realmente entendem do tema dando opinões fundamentadas (alemão adora um "Argumentos a favor" e "Argumentos contra" para qualquer assunto) e entrevistas onde os jornalistas não se intimidam nem por um segundo em fazer as perguntas desconfortáveis que todo mundo quer saber as respostas. Obviamente também existe publicação no estilo 'Meia-Hora' na Alemanha (Bild, for sure) e o que todos os elogios escritos acima são para a chamada tríade-de-ouro da mídia impressa alemã (Die Zeit, Der Spiegel e Frankfurter Allgemeine - os dois primeiros publicados em Hamburgo :D). Mas mesmo entre os equivalentes nos outros países europeus (com a exceção do excelente The Guardian - onde eu li e fiquei sabendo dessa matéria através da coluna de Life & Style chamada Fashion Statement), os jornais alemães são insuperáveis. Assim como os automóveis. E a obsessão por pontualidade e eficiência. :D

E agora, chega de introdução e voilá a entrevista com Mme. Roitfeld (muita emoção, muita emoção):

SPIEGEL: Ms. Roitfeld, you were editor in chief of the French edition of Vogue, the fashion and lifestyle magazine, for 10 years. Before that, you worked for 10 years at Gucci alongside then-creative director Tom Ford. Can anyone who has spent 20 years in the fashion industry still be normal?

Carine Roitfeld: My only drug is a small glass of vodka in the evening, if that's what you're asking. But I was fortunate because -- in addition to the very special world of fashion -- I also had a family, which is something probably rare in this business. I have also been married to the same man, the father of my two children, for more than 30 years. And that has helped me remain relatively normal.

SPIEGEL: For a former Vogue editor in chief, you also look remarkably normal.

Roitfeld: That's part of my newfound freedom. I always wore a tight skirt at Vogue; it was like a uniform.

SPIEGEL: Can you tell us what you're wearing today?

Roitfeld: A no-name T-shirt from Los Angeles, corduroy jeans by Current Elliot and satin shoes I had custom-made in violet. So the glamour's limited to my feet.

SPIEGEL: Does this world of vanity, in which fortunes are spent on trivial things, corrupt people?

Roitfeld: The fashion industry certainly has its obscene sides. The cost of a coat can be obscene. So can the cost of a photo shoot if you're working with a really good photographer. But when I see how good the photos have turned out or even how well the coat was made or how many people worked on it, it's not quite so obscene anymore. Of course, it's not like we're working in a hospital; we don't save lives every month. We just make decisions about skirt lengths, about an inch more or an inch less. That's all.

SPIEGEL: Did that ever seem pointless to you?

Roitfeld: For 10 years, it was a hell of a lot of fun. But, toward the end, it unfortunately got less and less fun. You used to be able to be more playful, but now it's all about money, results and big business. The prêt-à-porter shows have become terribly serious. The atmosphere isn't as electric as it once was, and they now have about as much charm as a medical conference. But it takes just one good fashion show to get things exciting again.

SPIEGEL: If fashion can tell us anything about the age it's created in, what do you think current fashions tell us?

Roitfeld: Today's fashions don't let people dream as much as they used to. Twenty years ago, fashion was a promise -- something that was part of your life and perhaps enriched it, something that reflected a particular era. If you look at advertisements these days, all you see are handbags. They aren't about dreams anymore; customers are buying objects now, not dreams.

SPIEGEL: Is that why you left Vogue in January?

Roitfeld: Ten years is a long time -- and especially 10 years in a gilded cage. They were wonderful years; but, sooner or later, birds want their freedom again.

SPIEGEL: Your French publisher said the time for being provocative and trashy was over.

Roitfeld: I'd put it this way: Fashion needs glamour, provocation and broken taboos.

SPIEGEL: Was it your decision to go?

Roitfeld: Absolutely. And at the perfect moment. The French edition of Vogue had never been more successful, had never had more readers or advertisers. And it had never made as much money. For 10 years, my American publisher, Jonathan Newhouse, let me do what I wanted, even when he thought it might be crazy. But it couldn't have gone on for much longer.

SPIEGEL: Is this the end of era?

Roitfeld: Creativity needs space and a willingness to take risks, but businessmen don't like risk. What's more, designers are coming under more and more pressure. Today, a dress can't just please the women in Paris; it also has to please those in Beijing, Tokyo, Moscow and New York.

SPIEGEL: Is globalization making fashion more boring?

Roitfeld: At the very least, it's leading to a lot of compromise. But globalization is only one factor. Today's designers no longer have to create two collections a year; they have to create four: spring, summer, fall and winter. And some fashion houses also add haute couture twice a year. Who can possibly manage all that? Good designers are artists; they're fragile people.

SPIEGEL: Two of the biggest stars in the Paris fashion world, Britons Alexander McQueen and John Galliano, both left this stage in a very dramatic way. McQueen committed suicide a year ago. And Galliano, the Dior designer, made his exit a few weeks ago after publicly professing his love for Adolf Hitler.

Roitfeld: McQueen's artistic creations always had a very dark side, but his death still came as a shock. After all, it's not like he was alone. He had a big team surrounding him, but it unfortunately wasn't able to protect him.

SPIEGEL: And Galliano?

Roitfeld: I had no idea how unhappy John Galliano must have been. You have to be very unhappy and lonely to praise Hitler in public while completely drunk. The House of Dior has always addressed a range of topics, for example, by having haute couture shows on homelessness where all the models look like people living on the street. But drunkenly shouting "I love Hitler" and calling people in a bar a "dirty Jew-face" is unacceptable. I don't think he really believes what he said; they were simply the actions of a drunk.

SPIEGEL: Are drugs an everyday part of life in the fashion industry?

Roitfeld: No more and no less than they are in other artistic circles. Yves Saint Laurent was the first person to openly admit to being a drug addict. Since I never touched drugs myself, I find it hard to tell whether people are taking them. But, of course, some people do. The industry has become faster and faster. People are constantly fighting jet lag and working through the night.

SPIEGEL: Now that Galliano and McQueen are gone, is German designer Karl Lagerfeld the only one left?

Roitfeld: Yes. Good old Karl. Superhuman Lagerfeld. I don't think he experiences this pressure in the same way. That's why he can put up with it.

SPIEGEL: And no one else can?

Roitfeld: He's not the only one. There's also Nicolas Ghesquière at Balenciaga, Riccardo Tisci at Givenchy, Miuccia Prada and, of course, Tom Ford. And then there are the up-and-coming talents. But they still need time. In a way, we've already seen everything. What else could they hope to invent?

SPIEGEL: And, in any case, copies of their designs soon turn up in Zara and H&M shops.

Roitfeld: Yes. At fashion shows, bloggers sit in the front rows and transmit new looks around the globe. It's all become terribly rapid. You're sitting in Paris, and people in Beijing already know what's going on. It's pretty crazy. But designers are probably really flattered that their looks are being copied.

SPIEGEL: But don't you think that this copying is still a problem?

Roitfeld: I don't see it that way. Fashion stopped being a matter of money a long time ago; it's a matter of taste. These days, even women with less money can dress well. I was always saddened by the idea that elegance was only something for a minority. It's about style. Karl was the first one to understand that. It was very smart of him to design this H&M collection, and very smart of Chanel to allow him to do so.

SPIEGEL: Today, it's mostly wealthy Russian and Chinese women who are buying expensive fashions. People working at many boutiques in Berlin speak Russian.

Roitfeld: That's right. This obsession with particular designers is somewhat strange. I think it's the safest way for these customers to find their feet when they first discover the world of fashion. You can't learn how to be elegant; you can only learn how to avoid mistakes. The rest is instinct. Elegance is about the way you cross your legs, not the label or the newest clothes from the latest collection.

SPIEGEL: Now you're undermining all the sales arguments your own industry makes.

Roitfeld: It's often the case that what a women reads makes her more attractive and more elegant than what she wears.

SPIEGEL: Do French women read more than German women?

Roitfeld: From a very early age, French women learn not to exaggerate. Yves Saint Laurent once said that the purpose of clothes is to make women more beautiful but that a coat must never attract more attention than the woman wearing it.

SPIEGEL: In France, you have a reputation for being the woman who invented "porn chic." Your photos were criticized because they showed young Lolita-type girls, pregnant women smoking and smooching seniors.

Roitfeld: Yes, of course. Fashion has to be given free rein and only a small number of restrictions. I never used any photos that my children shouldn't see; that was my benchmark. The little girls wearing makeup were never naked; it said "No Smoking" under the pregnant woman; and why shouldn't old people kiss? You must be allowed to play. Anything else is terribly boring. I've also painted white models black and later red, which (the French anti-racist NGO) SOS Racisme complained about.

SPIEGEL: Did you find that silly?

Roitfeld: It's absurd to accuse me of being racist. I dedicated an entire issue of Vogue to the black model Liya Kebede. I'm always looking for connections to real life. I once had a series of photos about fur; but, in these politically correct times, you can't even go out on the street in New York or London without getting a pie thrown in your face. The photos showed extras holding up posters of animal rights activists. It was meant to be ironic, but unfortunately not everyone got it. Why can't we wear the animals we also eat, such as sheep and rabbits?

SPIEGEL: You're 56 years old. How difficult is it for a woman to age in the fashion industry?

Roitfeld: Well, during photo shoots, you come across these beautiful 16- or 18-year-old women who have perfect bodies and not a single wrinkle -- but their pictures are retouched. Under these conditions, when you look in the mirror, you have to be happy with yourself, remain young at heart and keep that rock 'n' roll attitude. Otherwise, you won't be able to deal with it.

SPIEGEL: What will you do with your new life?

Roitfeld: I have numerous projects in the works: a book with Karl Lagerfeld, another about my own work, an ad campaign for Chanel and some consulting work for Barneys, the designer fashion store in New York. Who knows? Perhaps I'll become a muse for designers again.

SPIEGEL: So you won't take the place of your former colleague Anna Wintour at the head of the American edition of Vogue?

Roitfeld: That was never seriously under discussion. I like to provoke. I'm very French. In America, they're not even allowed to show a hint of nipple in photos. Anna Wintour is the most powerful woman in the global fashion industry, the first lady of fashion. She's a politician; I'm a stylist. They are two very different jobs. Incidentally, despite all the rumors, she is actually very nice.

SPIEGEL: Do you have any fashion principles?

Roitfeld: I don't change my handbag every season. I believe in the Yves Saint Laurent woman who either has her hands in the pockets of her pantsuit or is holding her lover's hand. She doesn't need a bag.

SPIEGEL: You also always wear high heels.

Roitfeld: Yes, they give you power. You move differently, sit differently and even speak differently.

SPIEGEL: So you never wear flat-soled shoes? Not even when going for a walk?

Roitfeld: I don't go for a walk very often. I wear flat-soled shoes on vacation, but I also travel in high heels, which is why I'm regularly stopped by customs officials at the airport. Wearing high heels in an airplane is suspicious. Nobody else does that.

SPIEGEL: Do you have any fashion tips for us?

Roitfeld: If you don't want to make any mistakes, buy black clothes. That's always good. And from age 50 on, you can slowly start adding a little beige. That's softer. Every five years, you should take a critical look at your own wardrobe and, if necessary, eventually swap your bikini for a one-piece swimsuit.

SPIEGEL: And, if necessary, eventually stop going swimming altogether?

Roitfeld: There comes a time in your life when you even have to consider that. You should always be one of the best, whatever your age group. That may mean staying away from the beach.

SPIEGEL: Ms. Roitfeld, we thank you for this interview.

Interview conducted by Claudia Voigt and Britta Sandberg

Fonte: Spiegel Online International > Zeitgeist

quinta-feira, 7 de abril de 2011

The Brazilians are coming!

Em um lindo dia de sol, certo amigo que eu defino como 'luso-americano-equatoriano' (praticamente um Pokemón mistura de americano com origens equatorianas que fala um português de Portugal assustadoramente excelente) embarcou no seu voo do trecho Nova Iorque-Houston por uma famosa companhia aérea americana. Além das usuais famílias de texanos voltando da Big Apple (quando vocês lêem 'família da texanos' vocês não imaginam uma coisa meio família Buscapé-pós-Poço-de-Petróleo, com aquele sotaque mega interiorano, roupinhas de oncinha com decotão, cabelão loiro e muito dourado tinlintintando que nem eu?), businessmen nova-iorquinos indo tratar de negócios relacionados ao petróleo em Houston (por que turisticamente Houston deve ser tão interessante quanto Campinas), a usual horda de latino-americanos a serem reenviados ao sul (devidamente abastecidos de Nike Shoxx e moletons GAP comprados nos Outlets dos States).

Meu amigo vêm ‘walking down by aisle’ quando percebe que ele fora agraciado por um lugar entre uma janela e corredor . Duas mulheres ocupavam os dois lugares, uma mãe por volta dos 50 e uma filha por volta dos 20, deixando o lugar dele vazio. Enquanto ele colocava sua bolsa na bagagem de mão, ele escutou:

Mãe (em bom português): Querida, vem sentar do meu lado.
Filha: Ah não, mãe! Quero ficar sentada aqui no corredor. Não quero nenhum desses americanos chatos atrapalhando a minha saída para o banheiro. O avião está vazio, ele que se manque e vá sentar em outro lugar...

Meu amigo ficou na dele, resolveu bancar a do “No-comprendo-português” e educadamente (em inglês) pediu para sentar no lugar dele. A filha, com um sorrisinho educado-nojentinho se levantou, meu amigo se sentou e abriu a revista de bordo. Nisso elas comentam:

Filha: Ah, americano não se manca, né? Também vou encher o saco dele até ele sair daqui... – Disse pegando a revista de bordo e praticamente jogando na cara do meu amigo– Olha aqui mãe, que bolsa LINDA!

A comissária já tinha percebido que iria rolar merda, veio e ofereceu para o meu amigo um lugar mais a frente. Meu amigo deu um belo sorriso, disse que não e que estava muito confortavelmente sentando NA-QUE-LE lugar. Continuou tentando ler a revista dele. Puto. Realmente muito puto.

Nisso, entrou um grupinho de velhinhos americanos no avião (Primeiro Mundo é assim: hordas de velhinho pelo avião, trem, ponto turístico... Crochê? Joguinho de dama na pracinha? Ficar assistindo televisão em casa? Rá! Velhinho de Primeiro Mundo quer saber de Espanha, Flórida e Caribe!). A filha faz uma cara de nojo e comenta:

Filha: Ai, mãe... Esses velhos vão viajar com a gente? Que nojo... Devem ter tudo cheiro de mijo, que horror...
Mãe: Ai não, eles tão sentando atrás da gente! Não acredito!
Filha: Mãe, vamos ficar até Houston com esse cheiro de velho e mijo atrás da gente?! Vamos reclamar com a comissária?!

Meu amigo decidira que já bastava. Chamou a aeromoça, e educadamente em inglês, comentou que tinha mudado de idéia que achara que era melhor ir para o assento vazio mais a frente.

Filha: Ai, que bom... Finalmente ele se mancou!

Meu amigo levanta, abre o compartimento de bagagem de mão, pega sua bolsa. Olha com a cara mais cínica do mundo para a filha, que se pergunta o que diabos ele olhava nela. E manda:

Meu amigo (em português): Vocês realmente se acham as mais espertas de todas, não é? Claro, porque um americano chato jamais iria falar português. Quanta falta de educação, quanta falta de elegância, quanta demonstração de mesquinharia. Vocês realmente se acham as donas do mundo, não é?

Filha (com vozinha de Patricinha-acuada): Sim, eu me acho sim...

Meu amigo: Pois não o são. Principalmente aqui nos Estados Unidos, queridas – pra nós vocês são assim, ó, desse tamaninho. Não valem absolutamente NADA. Não passam de uma dupla de latinas mal educadas vindas de algum buraco do interior de um país qualquer de Terceiro Mundo, que só porque conseguem pagar uma merdica de passagem internacional , acham que podem agir como se estivessem no quintal da sua casa...

Mãe: Mas...

Meu amigo (interrompendo a mãe): AH, e você, mãe... Cuidado, mas muito cuidado, tá? Hoje você apóia sua filha nesses comentários horríveis que ela fez sobre esses velhinhos aqui. Amanhã, vai ser você deitada numa cama e aí eu quero ver se esse incrível exemplo de educação que você deu para a sua filha na hora em que ela tiver que trocar a sua fralda cheia de merda! Boa viagem para as duas...

Meu amigo se vira a vai para a cadeira dele. A comissária, uma amiga dele, pergunta se estava tudo bem. Meu amigo diz que sim e abre de novo a revista dele. Alguns passageiros, provavelmente de origem hispânica, comentando o que acabaram de ver, enquanto as duas fingem que nada aconteceu.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

It closet


Em idos de 2001, quando eu era apenas um pequeno rapaz campo-grandense (Campo Grande being subúrbio Far-Far-Far Away do Rio, não a capital sul-mato-grossense) do subúrbio do Rio de Janeiro, estudando de um tradicional colégio federal do Rio de Janeiro (meu uniforme era tão 'Baby one more time' feelings :D), provavelmente muito empolgado por estar no meu primeiro relacionamento sério com uma 'pessoa' (adoro quando aquelas caras obviamente gays vão dar entrevistas para Fantástico/Globo Repórter e ficam falando “Mas por que eu gosto de uma 'pessoa'...), provavelmente por estar cansado e triste de repetidamente estar dando balão na minha mãe (“Mas mãe, o pessoal do alemão resolveu marcar um grupo de estudos justamente para sexta-feira às 21h, acredita?!”), provavelmente louco de achar que minha mãe aceitaria 'a verdade' tão facilmente assim, eu resolvi fazer o meu coming-out. Isso mesmo: 16 anos de idade. Enquanto (nessa idade) muitos dos meus amigos gays ainda levavam fé nos seus amassos de matinê com menininhas na Prelude/El Turff, eu já tinha sacado o que eu realmente curtia, já tinha contado tu-di-nho para mamãe (e sofrendo como um condenado por isso – ainda conto a história completa desse acontecimento) e era um leitor costumaz das matérias estilo “10 dicas de como fazer seu homem enlouquecer na cama” das Nova Cosmopolitan e Marie Claire da vida. :D

Talvez por ter feito o coming out tão cedo, talvez por ter pago tão caro e ter que lidar com a frustração potência dois mil de uma mãe paranoica e obsessiva que não media esforços para tentar me colocar no 'caminho certo' (e que provavelmente deveria oferecer treinamento para a CIA e Mossad sobre técnicas de coerção e investigação estilo “O-que-eu-fiz-quando-falei-que-fui-para-tal-lugar”), talvez por ter passado boa parte da adolescência tendo que lidar com o fato de que a minha mãe jamais iria aprovar qualquer coisa de bom que eu fizesse (porque sempre existia a sombra de 'uma certa verdade' que fazia ela dizer que gostaria que eu fosse qualquer um dos rapazes da meu bairro, mas não eu), eu tive que compensar na valorização do fato de que foi bom eu ter sido sincero e ter contado a verdade. Nos piores momentos, onde tudo parecia incrivelmente difícil e eu começava a me culpar por ter sido tão idiota de acreditar que tinha valido a pena ter sido tão sincero tão cedo, eu jogava uma água fria na cara e repetia para mim mesmo que o preço de ter sido verdadeiro era imensurável. Eu não precisaria lidar com essa verdade mais tarde, e logo, quando eu fosse uma pessoa independente e autossuficiente em termos financeiros, minha mãe acabaria entendendo e me aceitando. (P.S.- Ai, esse parágrafo ficou uma coisa tão "Can't take that away"... Foi malz, hein...)

Sendo assim, eu confesso que tenho certo bloqueio de entender porque as outras pessoas não fizeram o mesmo. Entender porque pessoas, já autosuficientes, esclarecidas, seguras do que realmente são, não conseguem se assumir e falar “Eu gosto de moda, eu não uso bermuda cargo, eu sou viado”. Ok: eu entendo que cada um é um universo particular de condições, realidades e histórias, blablabla... Mas confesso que a história de alguns amigos desafia a minha compreensão e exigem certa dose de “sorriso amarelo”+“claro que eu te entendo!”, como a história de dois amigos que eu conto aqui abaixo.

O primeiro é um grande e queridíssimo amigo (que espero que não seja leitor do blog! :D). Advogado, bonito, um dos únicos homens cariocas realmente bem vestidos que eu conheço. Mora atualmente no Leblon, foi criado dentro da Jeunesse Dorée de Niteroí (para quem não é do Rio: Niteroí é um cruzamento de New Jersey com Hamptons, cidade da região metropolitana do Rio poder aquisitivo médio mais alto do que a média da cidade do Rio, mas que por um motivo obscuro... tem uma vida noturna e cultural próxima do zero, o que obriga a maioria da sua galera jovem a ter que partir para o Rio em busca de entretenimento nos finais de semana), atualmente completamente independente em termos financeiros dos pais. Enfim: he is got the looks, the brain, the personality. E apesar de “descoberta tardia”, já tem constando no seu currículo alguns bons relacionamentos de médio prazo, histórias realmente sérias (do tipo namorado fixo, que vai a cinema no final de semana, viaja para destininhos românticos em feriadões, etc&tal). Garotas? Segundo as contas dele, a última ficou para uma noite meio embaçada pela vodca no final de 2009, provavelmente em alguma night “Hetero moderninha”, provavelmente com alguma 'Fag Hag' mais atiradinha e entendiada pela viadice dominada pelo lugar. Mas, mesmo assim... a pessoa ainda se define como... “bi”. E simplesmente não consegue vislumbrar a menor possibilidade de, no médio prazo, se assumir realmente como é para família e amigos, e fica naquele estilo de vida estranho de ser uma coisa no Rio, outra coisa completamente diferente em Niteroí.

Desafio maior à compreensão é o segundo caso. O cara é aquele clássico tipão de intercambista que veio da Alemanha para o Rio de Janeiro, ficou deslumbrado pela beleza da cidade, simpatia das pessoas (oi?!) e abertura em termos sexuais e sociais do carioca médio (hein?!) e criou uma relação especial com a cidade (e para quem eu, escutando ele listar todas as 3053 razões pelas quais ele acha que o Rio é muito melhor do que Berlim, somente sorrio pensando “Deixa ele morar aqui 1 ano para ver como ela vai amar tudo isso” e olho para o meu amigo inglês que está pensando a mesma coisa do que eu). Devido ao seu tipão “Sou-loiro-sou-alto-sou-fortinho-Sou-o-que-Hitler-sonhou-pro-mundo” provavelmente passou o rodo em um número considerável de meninas cariocas (que levam a merecida fama das brasileiras mais jogo-duro, mais “não vou dar assim fácil não!” entre os heteros - mas que abrem as pernas para os gringos, afinal... receber bem o turista é uma obrigação de cada carioca, néam? :D) até o inesperado acontecer: ele topar com um menino brasileiro e ploft!: rolar uma atração inexplicável (o “ploft!” fica à cargo da imaginação fértil de vocês). Curto demais o garoto (mas preciso mesmo bancar o Fernando “bonzinho, coelhinho-na-floresta, amo-o-mundo-só-vejo-o-lado-positivo-das-coisas?” com vocês? Não, néam...), mas preciso confessar que sinto demais aquela coisa de “Clássico caso de 'Porque alemães amam brasileiros'”: do alto dos seus 19 aninhos, morenão com corpão, inteligência definitivamente não é o forte (o que me faz suspeitar de... enormes qualidades não aparentes do ambiente de um restaurante ou sala de estar... :D), recém-saído do armário e com aquela idealização do mundo dos relacionamentos tão típica de quem acabou de sair dos 'teen years', tão típica de quem ainda assiste Bridget Jones e outros clássicos ingleses de comédia romântica e super acredita que dá para transportar isso para fora das telas e viverá uma história igualzinha no mundo gay contemporâneo. Os dois juntos chegam a ser uma coisa “Felícia-in-love”, uma coisa “Labrador-pulando-em-cima-do-dono” de tão Te-amo-te-quero-quero-ficar-todo-o-tempinho juntinho-e-coladinho-em-cima-de-você. Eu fico meio mal perto do garoto, porque sinceramente enxergo nele o inocente-romântico-e-cheio-de-ideais Fernando de alguns anos atrás (mentira: eu sempre fui consideravelmente cínico e cético – esses dias encontrei um dos meus antigos diários de adolescência e fiquei cho-ca-do como eu já era mau: eu metia pau nos meus amiguinhos de classe que me zoavam, nos professores, nos meus familiares e até em alguns dos meus amiguinhos menos próximos! Gente, por que eu sempre fui assim? #Criseinternafeelings) e tenho que me controlar ao máximo para não deixar o meu instinto “WAKE UP, SWEETHEART!” vir à tona e chocar o garoto com o fato de que os filmes para adolescentes da Disney e Malhação não  te preparam para o mundo dos relacionamentos gays no Rio de Janeiro contemporâneo (o máximo do meu autocontrole foi quando estávamos num get together, e ele disse para gente que curtia estar em relacionamentos porque relacionamentos são “um tipo especial de conexão com outra pessoa, essa coisa meio 'um fazendo a barba do outro, juntos de manhã depois de uma noite de amor dormindo juntinhos” - eu respirei fundo, segurei a minha cara de “WTF?” da melhor forma que pude, virei a taça de vinho na minha mão goela abaixo e fui acender um cigarro). Enfim, voltando ao caso inicial: o alemão parece ter se apaixonado de verdade pelo cara, os dois decidiram enfrentar um relacionamento a distância monogâmico, o alemão pega a Lufthansa de volta para o Brasil na primeira oportunidade que encontra pela frente, quando os dois juntos é aquela coisa linda, aquela coisa “Born to make you happy”, etc&tal. Por que diabos estou contando essa história? Por que somente esses dias, quando proferi um discurso “Por que nós, gays...” na frente do Deutscher, eu fui saber ficar com caras é uma coisa meio tipo “Ao Sul do Equador não existe pecado” por parte do alemão: o cara é gay no Brasil e hetero na Alemanha. (!!!) Hein?

A minha capacidade rápida de pré-julgar as pessoas definiria esses dois casos como falta de coragem e culhões. A minha proximidade com eles me faz passar a mão na cabeça, e apesar das minhas pontuais tentativas de tentar mostrar que o mundo “Somewhere Over the Rainbow” tem uma riqueza e uma paz de espírito incomparáveis com o mundo dentro do armário, de tentar compreender os motivos e razões de caras tão... prontos para saírem do armário não o conseguirem fazer.

Mas enfim... o que fazer, néam?